Em sua última cena na novela, vivendo no lixão, Carminha se emociona ao conhecer o neto, filho de Nina |
A julgar pelo que se ouviu nos últimos dias nos noticiários da Globo, em diversos sites e nas redes sociais, tudo indica que João Emanuel Carneiro vai ganhar uma estátua diante do Theatro Municipal ou uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Já Adriana Esteves pode preparar a roupa para receber o Emmy ou mesmo o Oscar, em Los Angeles, no ano que vem. Nunca houve uma novela como “Avenida Brasil”, dizem os fãs mais empolgados.
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Entendo e respeito os motivos de tamanha animação, mas não vejo as coisas dessa forma. Admito que me diverti muito com diversos personagens, situações e histórias, mas achei a novela muito irregular, repleta de problemas.
Carneiro teve o mérito de armar uma trama atraente em torno de duas mulheres de origem humilde – uma má, Carminha, sem limites para se dar bem na vida, e outra, Nina, sua enteada, disposta a se vingar do mal que a primeira lhe causou. Melodrama clássico em formato de folhetim.
“Avenida Brasil” conquistou um público ruidoso que andava meio afastado das novelas, os chamados formadores de opinião, ao ambientar a história no subúrbio e eleger a tal nova classe C como protagonista. Novos ricos, remediados e pobres viveram 179 capítulos em harmonia, bebendo e dançando juntos no Divino Futebol Clube.
Com a ajuda de jovens colaboradores, Carneiro escreveu um texto de excelente qualidade, muito bem-humorado, repleto de referências do dia a dia. Foi hábil ao incluir um sem número de “ganchos”, deixando o espectador com vontade de saber mais ao final de cada capítulo.
Contou com diretores ousados, que souberam dar tratamento “cinematográfico” tanto às situações mais dramáticas quanto às cômicas. Foi ajudado ainda por um time de grandes atores – tanto entre os protagonistas como entre os coadjuvantes –, que deram cor incomum à história. Além de Adriana Esteves, eu citaria Murilo Benício, Marcos Caruso, José de Abreu, Juliano Cazarré, Isis Valverde, Cacau Protásio e Claudia Missura.
Vi uma ousadia na opção de não haver um personagem masculino dominante na trama. O principal galã, Cauã Reymond, fez um papel (Jorginho) mais próximo de “mocinha” do que de herói. O outro protagonista, Benício, interpretou Tufão, um parvo, um anti-herói, incapaz de enxergar a realidade com os próprios olhos.
Outra opção interessante do autor foi contar com um número relativamente pequeno de personagens – pouco mais de 40. Em entrevista, Carneiro disse considerar “Avenida Brasil” a sua novela mais “orgânica” pelo fato de todos eles se interligarem.
Sob este ponto de vista, diria que a novela foi horizontalmente orgânica. Mas pensando nela de alto a baixo, do início ao fim, acho que foi muito mal estruturada, nada orgânica.
Fosse um seriado, seria possível dizer que assistimos a três temporadas de “Avenida Brasil”. A primeira, a melhor e mais empolgante, encerrou-se pouco depois do capítulo 100, quando Nina conseguiu reunir provas contra Carminha e a humilhou dentro da própria mansão.
A segunda temporada, a mais chata, se arrastou por cerca de 60 capítulos e mostrou “a volta por cima” da vilã. Recuperou as provas que havia contra ela e conseguiu mandar a vingadora para a prisão em duas situações. Pela primeira vez na novela, Carminha agiu de forma irracional, cega de raiva. Abriu a guarda e levantou desconfianças da família.
A terceira, e última, foi a mais curta e pior. Nas últimas três semanas, “Avenida Brasil” virou um novelão mexicano, repleto de golpes baixos do autor, protagonizados por Santiago, o vilão que veio do nada para explicar tudo.
A falta de escrúpulos do personagem serviu para abrir os olhos de Carminha, sua filha. Depois de décadas de golpes e maldades, incluindo autosequestro, estelionato, agressões violentas e uma tentativa de assassinato, ela se redimiu diante daqueles que roubou e enganou, declarando: “Gente como a gente tem que pagar pelo que fez”.
Esta última parte deixou tantos buracos sem esclarecimento que acho possível esperar uma quarta temporada de “Avenida Brasil”. Nela saberemos o que aconteceu com Santiago. E por que este vilão, um bandido profissional, demorou mais de uma década para se aproveitar da família Tufão.
Certamente também seremos informados, na sequência da novela, da razão de Carminha ter deixado Jorginho, quando criança, no lixão. Saberemos por que a vilã tratava tão mal a sua filha Ágata. E entenderemos por que Adauto, apresentado como analfabeto, sofreu o seu maior trauma num internato.
João Emanuel Carneiro conquistou o público logo de cara, com a intensa primeira parte, mas a audiência, curiosamente, só deslanchou no final desta fase, justamente quando a novela começou a perder o rumo.
O tema mais delicado proposto pelo autor foi abandonado no meio do caminho, o do confronto entre um jogador de futebol gay e sua mãe, ex-atriz pornô, agora evangélica. No final da trama, Roni formou um triangulo com Suelen, uma Maria Chuteira, e Leandro, também jogador de futebol, mas heterossexual.
Em tom de farsa, um milionário (Cadinho) foi casado com três mulheres, todas coniventes com a situação. Embora ambientada num subúrbio, a novela teve apenas três personagens negros – um dono de bar (Silas), o seu faz-tudo (Valentim) e uma empregada doméstica (Zezé).
Numa entrevista polêmica, em julho, João Emanuel Carneiro disse: "Prefiro não citar exemplos, pois não seria gentil com os coleguinhas, mas nos últimos anos as novelas subestimaram o espectador". Encerrada a sua história, exibida ao longo de 30 semanas, me parece mais correto dizer que continuam subestimando.
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